“Antes que houvesse escrita, havia palavra sagrada; antes que houvesse templo, havia árvore, pedra e tambor — é nesse silêncio antigo que Ìṣẹ̀ṣe làgbà sussurra: a tradição vive.”- Adéyínká Ọláìyá
Ìṣẹ̀ṣe làgbà é uma expressão em Yorùbá que significa, literalmente, “a Tradição é suprema” ou “a Tradição ancestral é maior”.
Ìṣẹ̀ṣe refere-se à tradição original, aos costumes, crenças e práticas religiosas dos ancestrais Yorùbás — especialmente os cultos aos Òrìṣà, aos Egúngún (ancestrais) e demais elementos da espiritualidade africana tradicional.
Làgbà significa “é maior”, “é suprema”, ou “vem antes de tudo”.
Portanto, quando se diz “Ìṣẹ̀ṣe làgbà”, está se afirmando o valor, o respeito e a supremacia das tradições ancestrais Yorùbás sobre influências externas, valorizando a sabedoria dos mais velhos, o culto aos ancestrais e os ritos originários. É uma saudação comum entre praticantes das religiões de matriz africana, especialmente durante festivais como o Ìṣẹ̀ṣe Day (Dia da Tradição), celebrado em várias partes da Nigéria e da diáspora Yorùbá . Serve também como um lembrete da importância de preservar e respeitar as raízes culturais e espirituais.
Embora às vezes sejam usados como sinônimos, Ìṣẹ̀ṣe làgbà e Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀ têm diferenças sutis mas importantes. Ìṣẹ̀ṣe làgbà é uma declaração de reverência à tradição ancestral Yorùbá . A palavra Ìṣẹ̀ṣe representa o início, o fundamento espiritual e cultural do povo Yorùbá — antes das influências externas como o Cristianismo e o Islã. Já làgbà significa que essa tradição é a mais velha, a mais respeitada, a maior. A frase completa, portanto, afirma que a tradição original é suprema.
Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀, por outro lado, significa literalmente “religião tradicional nativa”. Ẹ̀sìn quer dizer religião ou fé, e Ìbílẹ̀ se refere ao que é da terra, da origem. É um termo mais técnico, usado para se referir às religiões africanas tradicionais de forma geral, especialmente as que se mantêm vivas nos cultos e práticas espirituais. Portanto, enquanto “Ìṣẹ̀ṣe làgbà” é uma saudação, um lema e uma afirmação de identidade ancestral, “Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀” é a forma como essa fé se manifesta na prática ritual.
As tradições espirituais que se enquadram no universo de Ìṣẹ̀ṣe làgbà — e que também são chamadas de Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀ — incluem o culto aos Òrìṣà (como Ṣàngó, Ọbàtálá, Ọ̀ṣun, Ọ̀gún, Èṣù, Yemoja e outros), o sistema de Ifá e Ọ̀rúnmìlà, o culto a Egúngún(espíritos ancestrais), e outros sistemas de saber ligados à natureza, à medicina tradicional (como o culto a Ọ̀sanyìn), à agricultura e à ética do Ọmọlúàbí (valores de respeito, responsabilidade e integridade).
Como se diz poeticamente: “Ìṣẹ̀ṣe làgbà é o coração da ancestralidade; Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀ é o seu corpo visível em rituais e cultos.”
Na prática cotidiana, quem vive segundo o princípio de Ìṣẹ̀ṣe làgbà costuma seguir um ciclo de vida profundamente conectado com os rituais, os calendários espirituais e os ensinamentos dos ancestrais. Cada fase da vida — nascimento, iniciação, casamento, morte — é marcada por ritos específicos que conectam a pessoa com o Òrìṣà, com o Orí (destino individual) e com a comunidade.
Por exemplo, quando uma criança nasce, um sacerdote de Ifá pode ser consultado para revelar o Odù Ifá daquela criança — o caminho espiritual que ela trouxe ao mundo. Esse processo ajudar os pais a compreender o destino da criança, seus tabus (ẹ̀èwọ̀), seus talentos e deveres.
Nos cultos como o de Egúngún, os mortos são honrados como vivos — não apenas lembrados, mas evocados, vestidos com roupas ritualísticas, dançando e abençoando a comunidade. Isso mostra como o tempo no universo de Ìṣẹ̀ṣe làgbà é circular, e não linear — o passado está vivo no presente.
Ìṣẹ̀ṣe làgbà, expressão que afirma a supremacia e a ancestralidade das práticas tradicionais, é mais do que um lema — é a essência da espiritualidade Yorùbá. Ẹ̀sìn Ìbílẹ̀, a religião original do povo Yorùbá, carrega séculos de sabedoria, ética, arte, e conexão profunda com os Òrìṣà, os ancestrais e a natureza. Em um mundo em constante transformação, essa tradição se mantém viva através dos rituais, da oralidade, das cerimônias e da preservação dos valores que moldam a identidade de um povo. A valorização de Ìṣẹ̀ṣe não é apenas um retorno ao passado, mas um compromisso com o presente e o futuro — reafirmando que, antes de tudo, a raiz é sagrada, e a cultura é força vital. Ìṣẹ̀ṣe làgbà ooo!
“E assim, entre rezas sussurradas ao vento e tambores que guardam a memória do mundo, seguimos ouvindo o chamado. Ìṣẹ̀ṣe làgbà não é passado — é presença. É o axé que nos sustenta, o Orí que nos guia, o ancestral que nos habita. Em cada folha colhida com respeito, em cada saudação lançada ao céu, reafirmamos: a tradição vive, porque nós escolhemos lembrar. E quem lembra, resiste. Quem resiste, renasce”- Adéyínká Ọláìyá
