A espiritualidade Yorùbá está intrinsecamente ligada à identidade cultural de seu povo, sendo muito mais do que um sistema de crenças – é a base da existência e da organização social. Dentro da tradição, há um entendimento claro de que todo Yorùbá é, antes de qualquer coisa, praticante de Ìṣẹ̀ṣe (Òní-Ìṣẹ̀ṣe), pois a conexão com os Òrìṣà e os ancestrais não é uma escolha, mas um destino moldado desde o nascimento. O provérbio “Orí ẹni Ìṣẹ̀ṣe ẹni, Ìyá ẹni Ìṣẹ̀ṣe ẹni” (“Seu Orí é Ìṣẹ̀ṣe, sua mãe é Ìṣẹ̀ṣe”) expressa essa realidade: independentemente das influências externas, a essência espiritual Yorùbá permanece intacta.
A introdução do cristianismo e do islã na terra Yorùbá não conseguiu romper essa ligação. O cristianismo foi trazido pelos missionários europeus no século XIX, enquanto o islã chegou anteriormente, através das rotas comerciais transaarianas. Embora ambas as religiões tenham sido amplamente adotadas, sua presença nunca anulou os ritos e obrigações ancestrais. Os eventos marcantes da vida de um Yorùbá – nascimento, casamento e morte – continuam a ser guiados por princípios tradicionais, independentemente da fé individual ou familiar.
Desde os primeiros dias de vida, um Yorùbá é introduzido à tradição por meio da cerimônia de nomeação (Ìṣọmọlórúkọ), onde Ifá ou Òrisà da familia é consultado para determinar o destino da criança. Mesmo aqueles que foram criados dentro do cristianismo ou do islã frequentemente passam por essa cerimônia, pois o nome dado não é apenas uma identidade, mas um guia espiritual. Além disso, os nomes Yorùbá frequentemente carregam mensagens oraculares e ligações com os Òrìṣà, algo que transcende qualquer influência religiosa externa.
Os ritos de passagem são outro exemplo claro da supremacia da tradição sobre as religiões estrangeiras. Em casamentos tradicionais, por exemplo, mesmo que a noiva ou o noivo sejam cristãos ou muçulmanos, é obrigatório seguir os protocolos ancestrais, como oferendas aos Òrìṣà e a saudação aos antepassados. Durante os funerais, a religião adotada pelo falecido pode ser respeitada em cerimônias secundárias, mas o rito principal segue as tradições Yorùbá. Nenhum Yorùbá é enterrado sem que seus ancestrais sejam invocados, sem que seu espírito seja encaminhado corretamente para o Ọ̀run, e sem que as devidas oferendas sejam feitas para garantir sua jornada pós-vida.
Mesmo entre os Yorùbá que se consideram cristãos ou muçulmanos, é comum ver a prática de ritos ancestrais sendo mantida de forma discreta. Muitos ainda consultam Bàbáláwo ou Òrìṣàláṣẹ às escondidas, fazem oferendas para resolver problemas espirituais ou seguem tabus e obrigações determinadas por Ifá. Isso ocorre porque a tradição Yorùbá não se baseia em dogmas rígidos, mas sim no equilíbrio cósmico entre o Orí, os Òrìṣà e os ancestrais. Assim, um Yorùbá pode adotar outra religião sem, no entanto, romper completamente com sua identidade espiritual.
A tolerância religiosa na cultura Yorùbá permitiu a convivência harmoniosa entre diferentes crenças dentro da mesma família. Não é raro encontrar lares onde um dos pais é cristão, o outro muçulmano e os filhos praticam a religião tradicional. A capacidade de integrar essas crenças sem conflitos é um reflexo do pensamento Yorùbá, que valoriza a coexistência e a adaptação sem abrir mão de suas raízes espirituais.
Outro aspecto fundamental da espiritualidade Yorùbá é o conceito de Ìwà Pẹ̀lẹ́ (bom caráter). Para os Yorùbá, a verdadeira conexão espiritual não se mede apenas pela religião que a pessoa segue, mas pelo caráter que ela demonstra. Um Yorùbá pode se identificar como cristão ou muçulmano, mas, se não tiver Ìwà Pẹ̀lẹ́, será visto como espiritualmente desequilibrado dentro da comunidade. O respeito pelos mais velhos, a integridade moral e a manutenção das tradições são valores inegociáveis que definem a espiritualidade Yorùbá.
Apesar da modernidade e da influência crescente das religiões abraâmicas, a religião tradicional Yorùbá segue viva e resistente. Hoje, vemos um renascimento da identidade Yorùbá através da valorização dos Òrìṣà, da retomada dos festivais ancestrais e do fortalecimento da língua Yorùbá como veículo de transmissão cultural. Esse movimento reflete um entendimento crescente de que Ìṣẹ̀ṣe não é uma opção, mas uma essência inseparável do povo Yorùbá.
No fim, a identidade Yorùbá não pode ser apagada por nenhuma religião externa. O que sustenta um povo não é apenas a fé que ele pratica, mas a ligação com sua história, sua terra e seus ancestrais. Ser Yorùbá significa carregar consigo uma tradição que transcende o tempo e resiste a todas as tentativas de apagamento. Ìṣẹ̀ṣe é a raiz, e sem a raiz, nenhuma árvore pode sobreviver.
